Alexandre de Moraes revoga decisão que censurou reportagens de ‘Crusoé’ e ‘O Antagonista’


O ministro do STF Alexandre de Moraes — Foto: Rosinei Coutinho/STF
Ministro que determinou censura
às duas publicações disse que informações adicionais enviadas ao STF tornaram
‘desnecessária a manutenção da medida determinada cautelarmente’.
Relator do inquérito que
investiga ofensas e informações falsas contra magistrados do Supremo Tribunal
Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes revogou nesta quinta-feira (18) a
decisão que havia censurado reportagens da revista “Crusoé” e do site
“O Antagonista”.

Leia a íntegra da decisão de Alexandre de Moraes

Na última segunda (15), Moraes
determinou que o site e a revista retirassem do ar reportagens e notas que
citavam o presidente da Suprema Corte, ministro Dias Toffoli. Na ocasião, o
relator do inquérito havia estipulado multa diária de R$ 100 mil para o
eventual descumprimento da ordem judicial e mandou a Polícia Federal (PF) ouvir
os responsáveis do site e da revista em até 72 horas.

Moraes havia considerado a
reportagem da “Crusoé” um “típico exemplo de fake news”
porque a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que não havia recebido
um documento que comprovaria que Toffoli era o personagem apelidado de
“amigo do amigo de meu pai” em um e-mail trocado entre o empresário
Marcelo Odebrecht e dois executivos da construtora, ao contrário do que afirmou
a revista.
A TV Globo confirmou que o
documento de fato foi anexado aos autos da Lava Jato, no dia 9 de abril, e seu
conteúdo é o que a revista “Crusoé” descreveu na reportagem censurada
pelo STF.
Após ser alvo de críticas,
inclusive, de integrantes do Supremo, Alexandre de Moraes revogou nesta
quinta-feira a censura com o argumento de que ficou comprovado que realmente
existe o documento citado pela reportagem do site e da revista.
Segundo ele, como a PGR e o
Supremo tomaram conhecimento do conteúdo do documento anexado em um dos
processos em que Marcelo Odebrecht é alvo na Justiça Federal de Curitiba, se
tornou “desnecessária” a manutenção da medida que ordenou a retirada
da reportagem do ar.
“Diante do exposto, revogo a
decisão anterior que determinou ao site O Antagonista e a revista Crusoé a
retirada da matéria intitulada ‘O amigo do amigo de meu pai” dos respectivos
ambientes virtuais'”, escreveu o magistrado em trecho da decisão.
A investigação que apura ofensas
a magistrados da mais alta Corte do país foi instaurada, em março, por ordem do
presidente do Supremo. Na ocasião, Toffoli informou que Alexandre de Moraes –
ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo – iria
conduzir as investigações.
O inquérito foi alvo de críticas
de procuradores da República que atuam na Operação Lava Jato, juristas e até
mesmo integrantes do STF. Um dos magistrados mais antigos da Suprema Corte, o
ministro Marco Aurélio Mello foi uma das vozes mais críticas à decisão de
Toffoli.

Nesta quinta-feira, em entrevista
ao blog da colunista do G1 Andréia Sadi, Marco Aurélio defendeu que o
Ministério Público Federal (MPF) recorresse ao Supremo para o plenário da Corte
julgar a censura à reportagem. Mais tarde, em entrevista à Rádio Gaúcha, o
magistrado classificou de “mordaça” a decisão do colega de tribunal.
Magistrado mais antigo do
Supremo, o ministro Celso de Mello também criticou a censura, embora não tenha
mencionado diretamente o episódio da revista e do site. Ele divulgou nesta
quinta uma dura nota na qual afirmou que censura – “mesmo aquela ordenada
pelo Poder Judiciário” – é ‘ilegítima’, ‘autocrática’ e ‘incompatível’ com
liberdades fundamentais e defendeu a liberdade de expressão e imprensa.
A reportagem

Segundo reportagem publicada pela
revista na última quinta (11), a defesa do empresário Marcelo Odebrecht juntou
em um dos processos contra ele na Justiça Federal em Curitiba um documento no
qual esclareceu que um personagem mencionado em e-mail, o “amigo do amigo
do meu pai”, era Dias Toffoli, que, à época, era advogado-geral da União.
Conforme a reportagem, Marcelo
tratava no e-mail com o advogado da empresa – Adriano Maia – e outro executivo
da Odebrecht – Irineu Meireles – sobre se tinham “fechado” com o
“amigo do amigo”. Não há menção a dinheiro ou a pagamentos de nenhuma
espécie no e-mail.
Ao ser questionado pela
força-tarefa da Lava Jato, o empresário respondeu: “Refere-se a tratativas
que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do Rio
Madeira. ‘Amigo do amigo de meu pai’ se refere a José Antônio Dias
Toffoli”. Toffoli atuou como advogado-geral da União entre 2007 e 2009, no
governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo a revista, o conteúdo foi
enviado à Procuradoria-Geral da República para que a chefe do Ministério
Público, Raquel Dodge, analisasse se queria ou não investigar o fato.
Em nota oficial divulgada na sexta-feira
passada, a PGR afirmou que não tinha recebido nenhum material e não comentou o
conteúdo da reportagem.
Na decisão desta quinta,
Alexandre de Moraes destacou que o documento citado na reportagem
“realmente existe”. O ministro acrescentou, contudo, que não é
verdadeira a informação de que o documento teria sido enviado anteriormente à
PGR para investigação.
Moraes escreveu na decisão que ou
os autores anteciparam o que seria feito pelo Ministério Público Federal, no
que ele chamou de um exercício de “futurologia”, ou induziram “a
conduta posterior” do órgão.
O magistrado também enfatizou no
despacho que a divulgação do documento sigiloso, ao qual somente as partes
envolvidas tinham acesso, acabou sendo “irregularmente divulgado” e
que essa “ilicitude” deverá ser “investigada”.
Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro
parabenizou o ministro Alexandre de Moraes pela revogação da decisão que havia
censurado reportagens da revista “Crusoé” e do site “O
Antagonista”.
“Parece que foi revogada. O
próprio ministro Alexandre de Moraes revogou”, afirmou. “Se for
verdade isso – parece que é verdade – meu parabéns aí ao Alexandre de
Moraes”, afirmou o presidente.

A SENTENÇA NA ÍNTEGRA
INQUÉRITO 4.781 DISTRITO FEDERAL

RELATOR :MIN. ALEXANDRE DE MORAES
AUTOR(A/S)(ES) :SOB SIGILO
ADV.(A/S) :SOB SIGILO DECISÃO
Trata-se de inquérito instaurado pela Portaria GP Nº 69, de 14 de março
de 2019, do Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente, nos termos do art. 43 do
Regimento Interno desta CORTE, para o qual fui designado para condução,
considerando a existência de notícias fraudulentas (fakenews), denunciações
caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou
injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal
Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão,
como ressaltado pelo Decano
desta CORTE, Ministro CELSO DE MELLO:
“Ninguém tem o direito de atassalhar a honra alheia, nem de proferir
do estos ou de vilipendiar o patrimônio moral de quem quer que seja ! A
liberdade de palavra, expressão relevante do direito à livre manifestação do
pensamento, não se reveste de caráter absoluto, pois sofre limitações que,
fundadas no texto da própria Constituição da República (art. 5o., V e X,c/c o
art. 220, § 1o., “in fine”) e em cláusulas inscritas em estatutos
internacionais a que o Brasil aderiu (Convenção Americana de Direitos Humanos e
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos), deslegitimam o discurso
insultuoso, moralmente ofensivo ou impregnado de ódio ! O abuso da liberdade de
expressão constitui perversão moral e jurídica da própria ideia que, no regime
democrático, consagra o direito do cidadão ao exercício das prerrogativas
fundamentais de criticar, ainda que duramente, e de externar , mesmo que
acerbamente e com contundência , suas convicções e sentimentos! Se é Documento
assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001.
inegável que a liberdade constitui um valor essencial à condição humana,
não é menos exato que não há virtude nem honra no comportamento daquele que, a
pretexto de exercer a cidadania, degrada a prática da liberdade de expressão ao
nível primário(e criminoso) do insulto, do abuso da palavra, da ofensa e dos agravos
ao patrimônio moral de qualquer pessoa!” (trecho do voto proferido no
julgamento do Agr. Reg. no Inquérito 4435,Tribunal Pleno, sessão de 14/3/2019).Em
decisão de 13 de abril, determinei cautelarmente ao site O Antagonista e a
revista Crusoé que retirassem matéria já veiculada nos respectivos ambientes
virtuais e intitulada “O amigo do amigo de meu pai”, uma vez que
esclarecimentos feitos pela Procuradoria Geral da República não confirmaram o
teor e nem mesmo a existência de documento sigiloso referente a colaboração
premiada com referência ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, citado pela
reportagem como de posse daquele órgão.
Em virtude da flagrante incongruência entre a afirmação da matéria jornalística
amplamente divulgada e os esclarecimento da PGR, solicitei à autoridade
competente cópia integral dos autos referidos pela matéria,para verificação das
afirmações realizadas. A documentação solicitada (ofício 2881/2019 – IPL
1365/2015-4
SR/PF/PR) foi enviada, via SEDEX; tendo chegado hoje ao meu gabinete, para
conhecimento.
Ressalte-se, ainda, que, conforme informações do MM. Juiz da 13ªVara
Federal Criminal de Curitiba, o documento sigiloso referente a colaboração
premiada citado na matéria jornalística somente teve seu desentranhamento
solicitado pelo MPF-PR, para posterior remessa à PGR, na tarde da última
sexta-feira, dia 12/04/2019.
É o relato do essencial.
Inicialmente, importante reiterar que o objeto deste inquérito é clara
e específico, consistente na investigação de notícias fraudulentas (fake news),
falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaça se demais
infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que
atinjam a honorabilidade institucional do SupremoTribunal Federal e de seus
membros, bem como a segurança destes e de seus familiares, quando houver
relação com a dignidade dos Ministros, inclusive com a apuração do vazamento de
informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a
prática de atos ilícitos
por membros da Suprema Corte, por parte daqueles que tem o dever legal
de preservar o sigilo; e a verificação da existência de esquemas de financiamento
e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a
perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito.
Os atos investigados são práticas de condutas criminosas, que desvirtuando
a liberdade de expressão, pretendem utilizá-la como verdadeiro escudo protetivo
para a consumação de atividades ilícitas contra os membros da Corte e a própria
estabilidade institucional do Supremo Tribunal Federal.
Repudia-se, portanto, as infundadas alegações de que se pretende restringir
o a liberdade de expressão e o sagrado direito de crítica, essencial à Democracia
e ao fortalecimento institucional brasileiro, pois a liberdade de discussão, a
ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a
liberdade de expressão, em seu sentido amplo, abrangendo as liberdades de
comunicação e imprensa, como destacado no célebre caso New York Times vs.
Sullivan, onde a Suprema Corte Norte-Americana, afirmou ser “dever do cidadão criticar
tanto quanto é dever do agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964),
sendo de absoluta e
imprescindível importância a integral proteção à ampla possibilidade
de realização de críticas contra ocupantes de cargos e funções públicas.
Conforme afirmei na ADI 4451, tanto a liberdade de expressão quanto a
participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em
um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das
diversas opiniões sobre os governantes, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao
afirmar, com seu Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de
24/08/2001.
conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança
(politics of distrust) na formação do pensamento individual e na
autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e
oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais.
No célebre caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630-1 (1919),OLIVER
HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias
(free market place of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre
entre diferentes opiniões, afastando-se a existência de verdades absolutas e
permitindo-se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser
aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas,
selecionadas ou restringidas previamente pelo Poder Público que deveria,
segundo afirmou em
divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California,
274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à
verdade”.
A Constituição Federal de 1988 protege a liberdade de expressão no seu
duplo aspecto: o positivo, que significa o “indivíduo poder se manifestar como
bem entender”, e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por
meio de censura prévia.
Trata-se do consagrado binômio LIBERDADE e RESPONSABILIDADE, jamais
permitindo-se a existência de mecanismos de censura prévia, pois
inconstitucionais, por visarem constranger ou inibir a liberdade de expressão.
A censura prévia tem como traço marcante o “caráter preventivo e abstrato” de
restrição à livre manifestação de pensamento, que é repelida frontalmente pelo
texto constitucional, em virtude de sua finalidade antidemocrática.
A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião(aspecto
positivo), porém, não significa a impossibilidade posterior de análise e
responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas,
e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra,
intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à
dignidade da pessoa
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de
24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço humana, salvaguardando
um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas. Nosso texto
constitucional consagra, portanto, a PLENALIBERDADE DE EXPRESSÃO, SEM CENSURA
PRÉVIA E COMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇAO POSTERIOR, de maneira que o
exercício da liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior
responsabilidade pelo conteúdo ilícito difundido, tanto no campo cível (danos
materiais e morais), quanto na esfera criminal, caso tipificado pela lei penal;
fazendo cessar a injusta agressão, além da previsão do direito de resposta.
Foi o que ocorreu na presente hipótese, onde inexistente qualquer censura
prévia, determinou-se cautelarmente a retirada posterior de matéria baseada em
documento sigiloso cuja existência e veracidade não estavam sequer comprovadas
e com potencialidade lesiva à honra pessoal do Presidente do Supremo Tribunal
Federal e institucional da própria Corte, que não retratava a verdade dos
fatos, como bem salientado pela Procuradoria Geral da República, ao publicar a
seguinte nota de esclarecimento:
“Ao contrário do que afirma o site O Antagonista, a Procuradoria-Geral
da República (PGR) não recebeu nem da força tarefa Lava Jato no Paraná e nem do
delegado que preside o inquérito 1365/2015 qualquer informação que teria sido entregue
pelo colaborador Marcelo Odebrecht em que ele afirma que a descrição “amigo do
amigo de meu pai” refere-se ao presidente do Supremo Tribunal federal (STF),
Dias Toffoli”.
Posteriormente, informações prestadas pelo MM. Juiz Federal da 13ªVara
Criminal de Curitiba corroboraram os esclarecimentos feitos pelaPGR, pois o
documento sigiloso citado na reportagem não havia sequer sido remetido à
Procuradoria Geral da República. Somente na tarde dodia 12 de abril, ou seja,
após publicação e ampla divulgação da matéria, o MPF do Paraná solicitou o
desentranhamento do referido documento e seu envio à Chefia da Instituição.
Da mesma maneira, conforme ressaltado, a documentação solicitada à
Polícia Federal (ofício 2881/2019 – IPL 1365/2015-4 SR/PF/PR) foi enviada, via
SEDEX; tendo chegado hoje ao meu gabinete, para conhecimento. Comprovou-se que
o documento sigiloso citado na matéria realmente existe, apesar de não
corresponder à verdade o fato que teria sido enviado anteriormente à PGR para
investigação. Na matéria jornalística, ou seus autores anteciparam o que seria
feito pelo MPF do Paraná, em verdadeiro exercício de futurologia, ou induziram
a conduta posterior do Parquet; tudo, porém, em relação a um documento sigiloso
somente acessível às partes no processo, que acabou sendo irregularmente
divulgado e merecerá a regular investigação dessa ilicitude.
A existência desses fatos supervenientes – envio do documento à PGR e
integralidade dos autos ao STF – torna, porém, desnecessária a manutenção da
medida determinada cautelarmente, pois inexistente qualquer apontamento no
documento sigiloso obtido mediante suposta colaboração premiada, cuja eventual
manipulação de conteúdo pudesse gerar irreversível dano a dignidade e honra do
envolvido e da própria Corte, pela clareza de seus termos.
Diante do exposto, REVOGO a decisão anterior que determinou ao site O
Antagonista e a revista Crusoé a retirada da matéria intitulada “O amigo do
amigo de meu pai” dos respectivos ambientes virtuais.
Intime-se e publique-se.
Brasília, 18 de abril de 2019.
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Relator
documento assinado digitalmente

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