Desespero, choro e impotência: relatos do dia mais aterrorizante da vida de médicas e enfermeiras em Manaus
Desespero, terror e o sentimento de impotência das profissionais da saúde em Manaus (Foto: Mariana Simonetti) |
A
médica Riani Camurça Martins, 38 anos, trabalha só com pacientes de UTI
(Unidade de Terapia Intensiva) há 11 anos e está na linha de frente da Covid-19
desde o primeiro dia da pandemia, em março de 2020, mas quinta-feira (14),
segundo ela, foi o mais aterrorizante de sua vida.
do Hospital Universitário Getúlio Vargas, de Manaus, capital do Amazonas, Riani
e os demais profissionais do local foram avisados às 6h da quinta-feira que a
empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio não havia feito o
abastecimento previsto na rede hospitalar durante a madrugada – ou seja, era
uma questão de tempo até o gás acabar. Começou então uma verdadeira força
tarefa para coletar cilindros de oxigênio avulsos pelo hospital e conectá-los
aos 30 pacientes internados na UTI, até então abastecidos pela rede.
O
desespero tomou conta. Profissionais trabalhando, chorando e correndo contra o
tempo. Tiveram que optar por destinar o oxigênio dos cilindros avulsos primeiro
aos pacientes com maior chance de sobrevivência. Ainda não se sabe quais serão
as sequelas àqueles que ficaram sem oxigênio por algum tempo. Somente no
Hospital Universitário Getúlio Vargas, três pacientes morreram por falta de
oxigenação.
“Vivenciei
algo que jamais imaginaria. Foi o dia mais triste da minha vida, como num filme
de terror. Agora seguimos com a possibilidade de acabar de novo o oxigênio a
qualquer momento. O abastecimento regular não foi reestabelecido e estamos
recebendo O2 fracionado”, relata a médica.
“O
sentimento principal é de indignação pela incompetência e irresponsabilidade dos
nossos governantes. Tristeza por ver tanta gente morrer. E medo, muito medo,
porque nós e nossos familiares também podemos adoecer e estar no mesmo lugar
que os pacientes que trato hoje. Tento me manter emocionalmente forte dizendo a
mim mesma que estamos dando o nosso melhor.
Lidar com a morte faz parte da minha vida. Mas é muito diferente quando
você oferece tudo que pode ao paciente e ele não sobrevive, e quando o paciente
morre por falta de atendimento adequado. Isso dói e desgasta. A sobrecarga e o
cansaço são nosso estado de espírito atual”, continua Riani.